Do Washington Post.
Aretha Franklin was teary-eyed, Carol Burnett was teasing, Alan Greenspan was reliably taciturn, and "The Greatest of All Time" stole the show when President Bush bestowed the Medal of Freedom on them and 10 others in a White House ceremony yesterday.
Bush, who appeared almost playful, fastened the heavy medal around Muhammad Ali's neck and whispered something in the heavyweight champion's ear. Then, as if to say "bring it on," the president put up his dukes in a mock challenge. Ali, 63, who has Parkinson's disease and moves slowly, looked the president in the eye -- and, finger to head, did the "crazy" twirl for a couple of seconds.
The room of about 200, including Cabinet secretaries, tittered with laughter. Ali, who was then escorted back to his chair, made the twirl again while sitting down. And the president looked visibly taken aback, laughing nervously.
Só para lembrar: o Ali foi preso por se recusar a participar da Guerra do Vietnã.
10 de nov. de 2005
9 de nov. de 2005
Nova Iorque - parte 2
Um dia eu estava na fila para ir ao cinema e um sujeito veio me pedir dinheiro. Sim, dinheiro. Sim, isto acontece aqui, e -- pasmem! -- o cara parecia o Riquinho Rico com quarenta anos de vida e vinte e oito de bebedeira. Do longo monólogo do pedinte só entendi alguns trechos desconexos (a fala dele também era de quem bebia há vinte e oito anos), mas deles deduzi que ele estava com fome e frio; que ele não tinha dinheiro; e que ele fora expulso do seu abrigo porque tinham matado o seu irmão e ele tentara bater no assassino.
Talvez o leitor tenha treino específico ou até mesmo conselhos infalíveis para uma situação destas. Talvez as crianças nova-iorquinas sejam treinadas desde cedo para lidar com este tipo de situação ("Finja-se de morto e deixe que ele te fareje à vontade"). Da minha parte, eu não tinha muita idéia do que fazer. Mas não demorou muito e minha mão já tinha puxado o dinheiro da carteira, para espanto dos dois amigos que me acompanhavam e que tentavam duramente ignorar o pobre Riquinho. Ele, por sua vez, não se fez de rogado, pegou a nota, deu meia-volta e foi...
Não: ele parou depois de uns dez passos e voltou para perto de mim, o braço trêmulo esticado para a frente, a nota enrolada contra o meu peito.
--- Toma esse dinheiro de volta, porque se não eu vou levá-lo ao traficante e comprar crack!
O que faria o leitor experiente neste momento? Será que até mesmo o nova-iorquino adestrado tremeria ("Ih, acho que ele percebeu que estou respeirando!")? Eu quase ri da situação --- não me pergunte por quê --- e disse que não. Pedi e pedi e pedi que ele ficasse com a grana; disse várias vezes "God bless you" ou alguma outra coisa assim; tomei a mão dele e fechei-a em volta daquele um dólar (ou cinco dólares, sei lá) que eu tinha dado. Depois de algum tempo o sujeito ficou quieto, me olhou no fundo dos olhos de um jeito muito estranho, e foi-se embora.
Só agora no momento em que escrevo este texto é que este olhar final me parece fazer sentido. Foi decepção. Ele teve um minuto de lucidez, e desapontou-se porque eu não entendi que ele dificilmente teria outro.
Talvez o leitor tenha treino específico ou até mesmo conselhos infalíveis para uma situação destas. Talvez as crianças nova-iorquinas sejam treinadas desde cedo para lidar com este tipo de situação ("Finja-se de morto e deixe que ele te fareje à vontade"). Da minha parte, eu não tinha muita idéia do que fazer. Mas não demorou muito e minha mão já tinha puxado o dinheiro da carteira, para espanto dos dois amigos que me acompanhavam e que tentavam duramente ignorar o pobre Riquinho. Ele, por sua vez, não se fez de rogado, pegou a nota, deu meia-volta e foi...
Não: ele parou depois de uns dez passos e voltou para perto de mim, o braço trêmulo esticado para a frente, a nota enrolada contra o meu peito.
--- Toma esse dinheiro de volta, porque se não eu vou levá-lo ao traficante e comprar crack!
O que faria o leitor experiente neste momento? Será que até mesmo o nova-iorquino adestrado tremeria ("Ih, acho que ele percebeu que estou respeirando!")? Eu quase ri da situação --- não me pergunte por quê --- e disse que não. Pedi e pedi e pedi que ele ficasse com a grana; disse várias vezes "God bless you" ou alguma outra coisa assim; tomei a mão dele e fechei-a em volta daquele um dólar (ou cinco dólares, sei lá) que eu tinha dado. Depois de algum tempo o sujeito ficou quieto, me olhou no fundo dos olhos de um jeito muito estranho, e foi-se embora.
Só agora no momento em que escrevo este texto é que este olhar final me parece fazer sentido. Foi decepção. Ele teve um minuto de lucidez, e desapontou-se porque eu não entendi que ele dificilmente teria outro.
8 de nov. de 2005
Deus, diz prá mim que isto foi sacanagem do cara
Comentário de um usuário do site Amazon.com sobre a gravação de Pablo Casalls para as Suítes para Violoncelo solo de Bach.
Lacks Accompaniment, June 28, 2005
Reviewer: Peter Gillette (Appleton, WI United States)
I think that Mr. Casals' playing is very fine but I was very disappointed that he chose to play these unaccompanied. Perhaps the pianist and chamber group could not be booked or miked appropriately due to the time. I was so disappointed in this production choice because the first and only other Bach cd I have, the goldberg variations by Uri Caine, blew me away: JS Bach was very ahead of his time in his use of electronic musics and freely improvised counterpoint and jazz musics, things that the rest of the "classical" world did not catch up to for another few centuries. Save your money on this one. Sorry, Pablo. I won't come to florida for you.
Lacks Accompaniment, June 28, 2005
Reviewer: Peter Gillette (Appleton, WI United States)
I think that Mr. Casals' playing is very fine but I was very disappointed that he chose to play these unaccompanied. Perhaps the pianist and chamber group could not be booked or miked appropriately due to the time. I was so disappointed in this production choice because the first and only other Bach cd I have, the goldberg variations by Uri Caine, blew me away: JS Bach was very ahead of his time in his use of electronic musics and freely improvised counterpoint and jazz musics, things that the rest of the "classical" world did not catch up to for another few centuries. Save your money on this one. Sorry, Pablo. I won't come to florida for you.
2 de nov. de 2005
'Não' em todas as línguas
A página da minha vida.
(Obrigado ao Mário AV, do Different Thinker pela correção: nicht virou nein.)
(Obrigado ao Mário AV, do Different Thinker pela correção: nicht virou nein.)
29 de out. de 2005
Nova Iorque - parte 1
Se eu fosse um verdadeiro jovem artista, estes cinco anos em Nova Iorque seriam um grande marco na minha vida. Era para eu estar escrevendo um livro sobre esta experiência formadora, ou então ter me tornado um monstro no improviso, ou ao menos --- se a bagagem burguesa me pesasse --- ter conhecido toda a galera "cool" e estar ajudando alguém a carregar seus pincéis ou amplificadores.
Mas eu sou matemático meio furreca que não é mais tão jovem, jamais foi artista, e nem curte tanto ser verdadeiro, e há um sentido muito profundo em que este meu tempo por aqui é uma péssima alocação de recursos para a humanidade. É o Destino regando uma samambaia de plástico. Bom, talve eu não seja 100% de plástico, mas não quis me deixar regar pelas águas negras do submundo para delas emergir assim bem, digamos, "United Colors of Bennetton". Sempre que o pessoal mais caretinha chega de Nova Jérsei para passar a noite aqui, vejo na cara deles que de Nova Iorque eles só conhecem os lugares errados, que eles entram tortos na cidade e saem daqui pensando que o barato do lugar é outro. Em última instância, a única coisa que me separa desta galera é eu ter consciência do que se passa e ter notado que a Vida não teve a cortesia de me botar uma plaquinha "Semi-artista? Entre aqui!" pelo caminho.
Anote, leitor, porque a informação é útil: quando você ouvir falar de alguém que no Brasil era um merdinha, mas que veio para NY e aqui evoluiu muito na sua arte, especialmente quando cheirou cocaína e trocou memórias de desenhos animados com um futuro grande nome da literatura japonesa (que naqueles tempos trabalhava como michê, é claro), pode ter certeza de que esta pessoa não sou eu.
Mas eu sou matemático meio furreca que não é mais tão jovem, jamais foi artista, e nem curte tanto ser verdadeiro, e há um sentido muito profundo em que este meu tempo por aqui é uma péssima alocação de recursos para a humanidade. É o Destino regando uma samambaia de plástico. Bom, talve eu não seja 100% de plástico, mas não quis me deixar regar pelas águas negras do submundo para delas emergir assim bem, digamos, "United Colors of Bennetton". Sempre que o pessoal mais caretinha chega de Nova Jérsei para passar a noite aqui, vejo na cara deles que de Nova Iorque eles só conhecem os lugares errados, que eles entram tortos na cidade e saem daqui pensando que o barato do lugar é outro. Em última instância, a única coisa que me separa desta galera é eu ter consciência do que se passa e ter notado que a Vida não teve a cortesia de me botar uma plaquinha "Semi-artista? Entre aqui!" pelo caminho.
Anote, leitor, porque a informação é útil: quando você ouvir falar de alguém que no Brasil era um merdinha, mas que veio para NY e aqui evoluiu muito na sua arte, especialmente quando cheirou cocaína e trocou memórias de desenhos animados com um futuro grande nome da literatura japonesa (que naqueles tempos trabalhava como michê, é claro), pode ter certeza de que esta pessoa não sou eu.
3 de out. de 2005
Ceci n'est pas un chapeau
Talvez seja uma boa idéia avisar que o nome deste blog não tem nada a ver com o referendo do desarmamento.
22 de set. de 2005
Para que serve um blog que ninguém lê?
Para que o autor/dono se descubra um inconsciente semi-discípulo de Nietzsche ao ler seus próprios posts. Puta que pariu, esta história de confrontamento na religião é quase a vontade de poder.
Escrever faz a gente mudar de idéia. Neste caso, não totalmente.
Escrever faz a gente mudar de idéia. Neste caso, não totalmente.
16 de set. de 2005
Ah, sim
Foi por causa da seriedade da constatação do post anterior que deixei de me considerar católico por muito tempo. Agora tenho feito um pouquinho mais de força, com a ajuda de não ter mais de me preocupar com sexo antes do casamento.
Escolha e método
Há muito e muito tempo, quando eu ainda fazia cursinho de inglês, nosso professor propôs uma série de temas para debate. Um deles foi a necessidade de obediência na prática da religião. Parecia-me então uma verdade óbvia e evidente que cada um deveria ser livre para escolher e adaptar os ensinamentos das várias tradições religiosas, e que a obediência, sendo sinônimo de aceitação incondicional ou medo de errar, era uma bobagem fácil (ou no mínimo desnecessária).
Chocou-me, portanto, que uma moça (que na minha memória era uma morena bonita e bem arrumada com aquele cabelo escorrido de índia) defendesse a idéia de que era preciso obedecer a algo diferente da vontade individual. Seria justamente daí que viria a disciplina na prática da espiritualidade e na busca da verdade que deveria ser o objetivo desta prática, para a qual não haveria necessidade de Grandes Guias se não fosse difícil atingir o objetivo desejado. Sem a tal disciplina, trocar-se-ia este processo difícil pela simples satisfação pessoal e e auto-centrada de se fazer algo segundo os próprios desejos, algo que, na opinião dela, não merecia o nome de religião.
O que me deixou estarrecido nesta declaração foi que ela inverteu quase que instantaneamente o que eu pensava até então. De repente, a tradição já não era aquilo que se faz com o desleixo de quem só aceita. Muito pelo contrário: sendo a prática religiosa um condicionamento interno, o duelo da vontade com o objetivo "impessoal" era parte fundamental do jogo. E não demorou para eu descobrir que qualquer jugador deste peculiar esporte precisa antes de tudo de insistência, porque a luta é difícil; e honestidade consigo mesmo, porque sem ela o discípulo superestima seu sucesso, achando-se uma pessoa boa só porque um dia "decidiu" ser assim. A obediência total pode ser muito difícil ou talvez até não desejável, mas o fato é que religião sem confrontamento com a tradição é mais ou menos o mesmo que auto-ajuda.
O difícil explicar isto para os outros. Lembro-me bem de uma discussão numa aula de "O Homem e o Fenômeno Religioso" na PUC. Uma colega descreveu sua religiosidade como algo bem parecido com a maçaroca que a minha era até o tal debate na aula de inglês, e não resisti a perguntar:
-- Mas vem cá: você não acha que só escolhendo o que te agrada do Budismo, do Cristianismo, do New Age e de tudo o mais você só está fazendo uma coisa meio que para se agradar, e que é muito fácil viver assim?
Ou talvez não tenha dito isto desta maneira: lá na hora devo ter tido mais tato. Mas lembro-me bem da resposta dela:
-- Não [soando como "ué"]! Eu acho que eu sei escolher o que é melhor para mim!
E o olhar dela continuou bem firme no meu, a ponto de eu quase ouvir a continuação daquela resposta: "Você tá louco? Quer que eu seja um zumbi que sai por aí fazendo o que os outros dizem? Me deixa em paz!"
Talvez ela até fosse mesmo dotada da disciplina de que falei acima, mas enfim. O que sei é que não só esta idéia de que é preciso encarar a tradição com insistência e honestidade me parece cada vez mais fundamental para qualquer forma de aprendizado e de método. Não se aprende o mais importante a partir do auto-centrado desejo de conformar as coisas à visão pessoal, mas sim deixando e até torcendo para que as coisas imprimam sua marca no aprendiz. Ou melhor: toda a forma de conhecimento é antes de tudo um dar a cara a tapa, e as únicas mãos sempre por perto são as do próprio estudante.
Chocou-me, portanto, que uma moça (que na minha memória era uma morena bonita e bem arrumada com aquele cabelo escorrido de índia) defendesse a idéia de que era preciso obedecer a algo diferente da vontade individual. Seria justamente daí que viria a disciplina na prática da espiritualidade e na busca da verdade que deveria ser o objetivo desta prática, para a qual não haveria necessidade de Grandes Guias se não fosse difícil atingir o objetivo desejado. Sem a tal disciplina, trocar-se-ia este processo difícil pela simples satisfação pessoal e e auto-centrada de se fazer algo segundo os próprios desejos, algo que, na opinião dela, não merecia o nome de religião.
O que me deixou estarrecido nesta declaração foi que ela inverteu quase que instantaneamente o que eu pensava até então. De repente, a tradição já não era aquilo que se faz com o desleixo de quem só aceita. Muito pelo contrário: sendo a prática religiosa um condicionamento interno, o duelo da vontade com o objetivo "impessoal" era parte fundamental do jogo. E não demorou para eu descobrir que qualquer jugador deste peculiar esporte precisa antes de tudo de insistência, porque a luta é difícil; e honestidade consigo mesmo, porque sem ela o discípulo superestima seu sucesso, achando-se uma pessoa boa só porque um dia "decidiu" ser assim. A obediência total pode ser muito difícil ou talvez até não desejável, mas o fato é que religião sem confrontamento com a tradição é mais ou menos o mesmo que auto-ajuda.
O difícil explicar isto para os outros. Lembro-me bem de uma discussão numa aula de "O Homem e o Fenômeno Religioso" na PUC. Uma colega descreveu sua religiosidade como algo bem parecido com a maçaroca que a minha era até o tal debate na aula de inglês, e não resisti a perguntar:
-- Mas vem cá: você não acha que só escolhendo o que te agrada do Budismo, do Cristianismo, do New Age e de tudo o mais você só está fazendo uma coisa meio que para se agradar, e que é muito fácil viver assim?
Ou talvez não tenha dito isto desta maneira: lá na hora devo ter tido mais tato. Mas lembro-me bem da resposta dela:
-- Não [soando como "ué"]! Eu acho que eu sei escolher o que é melhor para mim!
E o olhar dela continuou bem firme no meu, a ponto de eu quase ouvir a continuação daquela resposta: "Você tá louco? Quer que eu seja um zumbi que sai por aí fazendo o que os outros dizem? Me deixa em paz!"
Talvez ela até fosse mesmo dotada da disciplina de que falei acima, mas enfim. O que sei é que não só esta idéia de que é preciso encarar a tradição com insistência e honestidade me parece cada vez mais fundamental para qualquer forma de aprendizado e de método. Não se aprende o mais importante a partir do auto-centrado desejo de conformar as coisas à visão pessoal, mas sim deixando e até torcendo para que as coisas imprimam sua marca no aprendiz. Ou melhor: toda a forma de conhecimento é antes de tudo um dar a cara a tapa, e as únicas mãos sempre por perto são as do próprio estudante.
7 de set. de 2005
Papos estranhos sempre vêm em três
Minha amiguinha C. me contou duas histórias que aconteceram com ela logo antes de ler o post anterior.
A primeira é a do motorista de táxi (sempre eles) que a levou da Gávea à Lapa e tentou convencê-la durante toda a viagem que toda a mulher carioca deveria tomar anti-depressivos na época da menstruação. Pois -- diria ele -- vai que uma mulher é assaltada justo quando está de TPM? Aí, ao invés de reagir como deve (isto é, dar o dinheiro ou bem ao bandido), ela pode se comportar de maneira imprevisível e botar em risco a própria vida! Não consigo imaginar história que demonstre melhor o problema da auto-medicação.
A outra história é a de um trocador de ônibus que resolveu falar com ela sobre religião. Imagino o papo mais ou menos assim.
-- Mas você tem Bíblia em casa?
-- Tenho.
-- Ah, mas deve ser católica, né?
-- Olha, eu acho que sim...
-- Ah, então você tem de ler a Bíblia pro-tes-taaaaan-te!
-- Ah é, é?
-- Éééééééé...Porque assim: a Bíblia católica puxa muito pro lado dos santos [!!!], dessas coisas da Igreja católica... A protestante, não: ela só mostra a verdade!
A verdade, é claro, veio acompanhada por um gesto da mão direita com a palma voltada para baixo, cortando o ar da esquerda para a direita.
-- Ah, tá...
-- Então, a Bíblia que eu tenho é essa, ó: Bíblia Tatatá-tatatá [insira seu nome predileto aqui]...
-- Tá bom...
-- Não, anota aí porque se não você vai esquecer.
-- [C. tira o papel da bolsa cheia] Tá, pode falar.
-- Bíblia Tatatá-tatatá... Anotou?
A primeira é a do motorista de táxi (sempre eles) que a levou da Gávea à Lapa e tentou convencê-la durante toda a viagem que toda a mulher carioca deveria tomar anti-depressivos na época da menstruação. Pois -- diria ele -- vai que uma mulher é assaltada justo quando está de TPM? Aí, ao invés de reagir como deve (isto é, dar o dinheiro ou bem ao bandido), ela pode se comportar de maneira imprevisível e botar em risco a própria vida! Não consigo imaginar história que demonstre melhor o problema da auto-medicação.
A outra história é a de um trocador de ônibus que resolveu falar com ela sobre religião. Imagino o papo mais ou menos assim.
-- Mas você tem Bíblia em casa?
-- Tenho.
-- Ah, mas deve ser católica, né?
-- Olha, eu acho que sim...
-- Ah, então você tem de ler a Bíblia pro-tes-taaaaan-te!
-- Ah é, é?
-- Éééééééé...Porque assim: a Bíblia católica puxa muito pro lado dos santos [!!!], dessas coisas da Igreja católica... A protestante, não: ela só mostra a verdade!
A verdade, é claro, veio acompanhada por um gesto da mão direita com a palma voltada para baixo, cortando o ar da esquerda para a direita.
-- Ah, tá...
-- Então, a Bíblia que eu tenho é essa, ó: Bíblia Tatatá-tatatá [insira seu nome predileto aqui]...
-- Tá bom...
-- Não, anota aí porque se não você vai esquecer.
-- [C. tira o papel da bolsa cheia] Tá, pode falar.
-- Bíblia Tatatá-tatatá... Anotou?
25 de ago. de 2005
No meu entender
Há uma intimidade instantânea que se forma entre brasileiros que se encontram fora do país. Quando os brasileiros em questão são da mesma cidade, ou ainda por cima do mesmo bairro, aí então é quase como se fossem velhos amigos. Um encontro deste tipo ficou tão marcado na minha memória que mesmo agora, já quase quatro anos depois dele, ainda consigo reproduzir os seus momentos mais importantes.
O interlocutor em questão dirigia o táxi que peguei para ir a Manhattan sem enfrentar o metrô (eu morava no Queens e tinha operado o joelho há menos de três semanas). Não demorou muito para que o sujeito, que tinha uns 40 anos, decobrisse que eu não só era brasileiro, como também carioca e tijucano. Assim sendo, sentiu-se totalmente a vontade e resolveu falar de sua namorada.
-- Pô, levei a minha namorada prá praia com a irmã dela há duas semanas [em setembro], as duas chegaram lá e pá, pá, pá, rapidinho elas disseram: "Ai, quero ir embora! Tá frio!" Pô, as mulher são gaúcha -- tá me compreendendo? -- tão acostumadas com o frio e vão falar "Ah, tá um ventinho" ? Fala sério, parecem umas doentes!
Eu ainda sorria (sem vontade) quando ele emendou:
-- Ah, mas gaúcha, assim -- entendeu? -- é que nem paulista, paranaense ... Todos esses, a gente respeita. Argentino também -- a gente sacaneia, mas é como irmão, assim -- mas ridículos mesmo são estes mineiros que ficam por aí, assim todo empinadinhos, andando com camisa do Atlético escrito "Galo"! Vê se pode um negócio desses!
Aqui cabe uma importante observação a respeito da minha personalidade. É parte da minha constituição psíquica uma suprema incapacidade para reagir de forma veemente às grandes merdas que ouço por aí (exceto pelas realmente GRANDES). Isto significa, em termos práticos, que meu comportamento para com o taxista sofreu poucas alterações em razão das palavras acima. É inevitável que mesmo eu me ache um tanto quanto covarde ao ouvir uma barbaridade como a que ele disse e ser incapaz de respondê-la. Por outro lado, minha reação (ou melhor, não-reação) é adequada na medida em que me permite a observação do ser humano "em estado puro" ou "natural". Um observador de pássaros não pode impedir uma águia de comer um esquilinho; sacaram a analogia?
Pois então continuemos com a conversa, que a esta altura estava mais para monólogo.
-- O foda mermo são esses chicanos, assim... A filha da minha namorada tá namorando um equatoriano! Éééééé... Agora me diga, meu amigo: Equador, o que este país representa pro mundo? O que de importante na história da humanidade aconteceu lá? Que invenções boas, que músicas já saíram de lá? O pior de tudo é que estes mineiros chegam aqui e ao invés de ficar amigo dos outros brasileiros, não: vai é andar com esse pessoal, tá me compreendendo? Fica falando a língua deles e aí eu digo: "Isso é falta de educação! Tu não sabe nem falar a tua língua direito, quer falar espanhol?" Porque, sabe, no meu entender o espanhol é uma língua errada.
-- O que? -- perguntei.
-- Errada, uma língua errada. É o português -- tá me entendendo? -- falando errado! Quer dizer, assim, ó: o espanhol da Espanha, tudo bem, mas estes caras aí, pô, faça-me o favor! Mas então: os mineiros fazem esforço para aprender e fica tudo naquela de "puerta", "feijón"... Então o que eu falo para quem quer aprender espanhol, inglês é: arruma uma namorada da língua, tá me entendendo? Por-que_é-na-caaaaa-ma [musiquinha aproximada dos porquês categóricos: dó-ré-dó-lááááááá-dó] que se aprende a falar a língua. A mulher chega ali no seu ouvidinho e diz "Comi rier, I loviú..."
A fala dele foi interrompida pelo meu riso, a que ele correspondeu rindo também. Alguém fora do carro juraria que nossos risos estavam na mesma sintonia.
A conversa ficou morna por um tempinho depois do riso, mas em algum momento o taxista voltou a falar com a sua impressionante convicção.
-- Estás aqui há quanto tempo?
-- Um ano -- respondi (era 2001).
-- Achas as mulheres daqui tão bonitas quanto as lá do Rio?
-- Em geral, não.
-- Então é o que eu digo: Nova Iorque é a cidade das empregadinhas domésticas!
-- Hã?
-- Empregadinhas domésticas! As mulheres aqui, entendeu, não tem grana prá se tratar, nem tempo. Porque é a grana [dó-ré-dó-lááááááá-dó] que faz a mulher ficar bonita: comprar um vestidinho legal, fazer cabelo e unha, dar uma malhada... Aqui as mulheres não tem grana prá se produzir!
Nesta hora tive que responder. Argumentei que as mulheres que se produziam freqüentavam lugares diferentes daqueles a que íamos (ele concordou) e até teria continuado, não fosse o táxi ter chegado ao destino.
-- Valeu, irmão! Um abração!
Foi só ele dizer isso que eu senti uma súbita vontade de transcrever o papo na Internet. O lado benévolo deste blog começava a germinar...
O interlocutor em questão dirigia o táxi que peguei para ir a Manhattan sem enfrentar o metrô (eu morava no Queens e tinha operado o joelho há menos de três semanas). Não demorou muito para que o sujeito, que tinha uns 40 anos, decobrisse que eu não só era brasileiro, como também carioca e tijucano. Assim sendo, sentiu-se totalmente a vontade e resolveu falar de sua namorada.
-- Pô, levei a minha namorada prá praia com a irmã dela há duas semanas [em setembro], as duas chegaram lá e pá, pá, pá, rapidinho elas disseram: "Ai, quero ir embora! Tá frio!" Pô, as mulher são gaúcha -- tá me compreendendo? -- tão acostumadas com o frio e vão falar "Ah, tá um ventinho" ? Fala sério, parecem umas doentes!
Eu ainda sorria (sem vontade) quando ele emendou:
-- Ah, mas gaúcha, assim -- entendeu? -- é que nem paulista, paranaense ... Todos esses, a gente respeita. Argentino também -- a gente sacaneia, mas é como irmão, assim -- mas ridículos mesmo são estes mineiros que ficam por aí, assim todo empinadinhos, andando com camisa do Atlético escrito "Galo"! Vê se pode um negócio desses!
Aqui cabe uma importante observação a respeito da minha personalidade. É parte da minha constituição psíquica uma suprema incapacidade para reagir de forma veemente às grandes merdas que ouço por aí (exceto pelas realmente GRANDES). Isto significa, em termos práticos, que meu comportamento para com o taxista sofreu poucas alterações em razão das palavras acima. É inevitável que mesmo eu me ache um tanto quanto covarde ao ouvir uma barbaridade como a que ele disse e ser incapaz de respondê-la. Por outro lado, minha reação (ou melhor, não-reação) é adequada na medida em que me permite a observação do ser humano "em estado puro" ou "natural". Um observador de pássaros não pode impedir uma águia de comer um esquilinho; sacaram a analogia?
Pois então continuemos com a conversa, que a esta altura estava mais para monólogo.
-- O foda mermo são esses chicanos, assim... A filha da minha namorada tá namorando um equatoriano! Éééééé... Agora me diga, meu amigo: Equador, o que este país representa pro mundo? O que de importante na história da humanidade aconteceu lá? Que invenções boas, que músicas já saíram de lá? O pior de tudo é que estes mineiros chegam aqui e ao invés de ficar amigo dos outros brasileiros, não: vai é andar com esse pessoal, tá me compreendendo? Fica falando a língua deles e aí eu digo: "Isso é falta de educação! Tu não sabe nem falar a tua língua direito, quer falar espanhol?" Porque, sabe, no meu entender o espanhol é uma língua errada.
-- O que? -- perguntei.
-- Errada, uma língua errada. É o português -- tá me entendendo? -- falando errado! Quer dizer, assim, ó: o espanhol da Espanha, tudo bem, mas estes caras aí, pô, faça-me o favor! Mas então: os mineiros fazem esforço para aprender e fica tudo naquela de "puerta", "feijón"... Então o que eu falo para quem quer aprender espanhol, inglês é: arruma uma namorada da língua, tá me entendendo? Por-que_é-na-caaaaa-ma [musiquinha aproximada dos porquês categóricos: dó-ré-dó-lááááááá-dó] que se aprende a falar a língua. A mulher chega ali no seu ouvidinho e diz "Comi rier, I loviú..."
A fala dele foi interrompida pelo meu riso, a que ele correspondeu rindo também. Alguém fora do carro juraria que nossos risos estavam na mesma sintonia.
A conversa ficou morna por um tempinho depois do riso, mas em algum momento o taxista voltou a falar com a sua impressionante convicção.
-- Estás aqui há quanto tempo?
-- Um ano -- respondi (era 2001).
-- Achas as mulheres daqui tão bonitas quanto as lá do Rio?
-- Em geral, não.
-- Então é o que eu digo: Nova Iorque é a cidade das empregadinhas domésticas!
-- Hã?
-- Empregadinhas domésticas! As mulheres aqui, entendeu, não tem grana prá se tratar, nem tempo. Porque é a grana [dó-ré-dó-lááááááá-dó] que faz a mulher ficar bonita: comprar um vestidinho legal, fazer cabelo e unha, dar uma malhada... Aqui as mulheres não tem grana prá se produzir!
Nesta hora tive que responder. Argumentei que as mulheres que se produziam freqüentavam lugares diferentes daqueles a que íamos (ele concordou) e até teria continuado, não fosse o táxi ter chegado ao destino.
-- Valeu, irmão! Um abração!
Foi só ele dizer isso que eu senti uma súbita vontade de transcrever o papo na Internet. O lado benévolo deste blog começava a germinar...
24 de ago. de 2005
Poema e tradução
A una playa
jo me he ido
para ver al mar,
perfecto símbolo del olvido.
Una ola se levanta
y después se contradice.
Otras olas se levantam
y mueren bajo mi nariz
como si nada acontecera
y cada día, cada minuto
fuera siempre algo nuevo.
Me quedo sorprendido
porque soy hecho de recuerdos,
porque soy un árbol de sangre.
-x-x-
A uma praia
fui em pensamento
para ver o mar,
símbolo do esquecimento.
Uma onda se levanta
e depois se contradiz.
Outras ondas se levantam
e morrem embaixo de meu nariz
como se nada acontecera
e cada dia, cada minuto
fosse sempre algo novo.
Fico surpreso
porque sou feito do que lembro,
porque sou uma árvore de sangue.
jo me he ido
para ver al mar,
perfecto símbolo del olvido.
Una ola se levanta
y después se contradice.
Otras olas se levantam
y mueren bajo mi nariz
como si nada acontecera
y cada día, cada minuto
fuera siempre algo nuevo.
Me quedo sorprendido
porque soy hecho de recuerdos,
porque soy un árbol de sangre.
-x-x-
A uma praia
fui em pensamento
para ver o mar,
símbolo do esquecimento.
Uma onda se levanta
e depois se contradiz.
Outras ondas se levantam
e morrem embaixo de meu nariz
como se nada acontecera
e cada dia, cada minuto
fosse sempre algo novo.
Fico surpreso
porque sou feito do que lembro,
porque sou uma árvore de sangue.
'Não' em vinte línguas
Anos depois da ressurreição e da ascenção de Cristo, São Pedro caminhava para a capital imperial. Eis que -- surpresa! -- Jesus aparece ao seu lado.
-- Mestre, o que fazes a caminho de Roma?
-- Quero que eles me crucifiquem de novo!
O fato é que eu, arremedo de bom cristão, também resolvi pegar no pé do Mundo.
-- Mestre, o que fazes a caminho de Roma?
-- Quero que eles me crucifiquem de novo!
O fato é que eu, arremedo de bom cristão, também resolvi pegar no pé do Mundo.
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