Há uma intimidade instantânea que se forma entre brasileiros que se encontram fora do país. Quando os brasileiros em questão são da mesma cidade, ou ainda por cima do mesmo bairro, aí então é quase como se fossem velhos amigos. Um encontro deste tipo ficou tão marcado na minha memória que mesmo agora, já quase quatro anos depois dele, ainda consigo reproduzir os seus momentos mais importantes.
O interlocutor em questão dirigia o táxi que peguei para ir a Manhattan sem enfrentar o metrô (eu morava no Queens e tinha operado o joelho há menos de três semanas). Não demorou muito para que o sujeito, que tinha uns 40 anos, decobrisse que eu não só era brasileiro, como também carioca e tijucano. Assim sendo, sentiu-se totalmente a vontade e resolveu falar de sua namorada.
-- Pô, levei a minha namorada prá praia com a irmã dela há duas semanas [em setembro], as duas chegaram lá e pá, pá, pá, rapidinho elas disseram: "Ai, quero ir embora! Tá frio!" Pô, as mulher são gaúcha -- tá me compreendendo? -- tão acostumadas com o frio e vão falar "Ah, tá um ventinho" ? Fala sério, parecem umas doentes!
Eu ainda sorria (sem vontade) quando ele emendou:
-- Ah, mas gaúcha, assim -- entendeu? -- é que nem paulista, paranaense ... Todos esses, a gente respeita. Argentino também -- a gente sacaneia, mas é como irmão, assim -- mas ridículos mesmo são estes mineiros que ficam por aí, assim todo empinadinhos, andando com camisa do Atlético escrito "Galo"! Vê se pode um negócio desses!
Aqui cabe uma importante observação a respeito da minha personalidade. É parte da minha constituição psíquica uma suprema incapacidade para reagir de forma veemente às grandes merdas que ouço por aí (exceto pelas realmente GRANDES). Isto significa, em termos práticos, que meu comportamento para com o taxista sofreu poucas alterações em razão das palavras acima. É inevitável que mesmo eu me ache um tanto quanto covarde ao ouvir uma barbaridade como a que ele disse e ser incapaz de respondê-la. Por outro lado, minha reação (ou melhor, não-reação) é adequada na medida em que me permite a observação do ser humano "em estado puro" ou "natural". Um observador de pássaros não pode impedir uma águia de comer um esquilinho; sacaram a analogia?
Pois então continuemos com a conversa, que a esta altura estava mais para monólogo.
-- O foda mermo são esses chicanos, assim... A filha da minha namorada tá namorando um equatoriano! Éééééé... Agora me diga, meu amigo: Equador, o que este país representa pro mundo? O que de importante na história da humanidade aconteceu lá? Que invenções boas, que músicas já saíram de lá? O pior de tudo é que estes mineiros chegam aqui e ao invés de ficar amigo dos outros brasileiros, não: vai é andar com esse pessoal, tá me compreendendo? Fica falando a língua deles e aí eu digo: "Isso é falta de educação! Tu não sabe nem falar a tua língua direito, quer falar espanhol?" Porque, sabe, no meu entender o espanhol é uma língua errada.
-- O que? -- perguntei.
-- Errada, uma língua errada. É o português -- tá me entendendo? -- falando errado! Quer dizer, assim, ó: o espanhol da Espanha, tudo bem, mas estes caras aí, pô, faça-me o favor! Mas então: os mineiros fazem esforço para aprender e fica tudo naquela de "puerta", "feijón"... Então o que eu falo para quem quer aprender espanhol, inglês é: arruma uma namorada da língua, tá me entendendo? Por-que_é-na-caaaaa-ma [musiquinha aproximada dos porquês categóricos: dó-ré-dó-lááááááá-dó] que se aprende a falar a língua. A mulher chega ali no seu ouvidinho e diz "Comi rier, I loviú..."
A fala dele foi interrompida pelo meu riso, a que ele correspondeu rindo também. Alguém fora do carro juraria que nossos risos estavam na mesma sintonia.
A conversa ficou morna por um tempinho depois do riso, mas em algum momento o taxista voltou a falar com a sua impressionante convicção.
-- Estás aqui há quanto tempo?
-- Um ano -- respondi (era 2001).
-- Achas as mulheres daqui tão bonitas quanto as lá do Rio?
-- Em geral, não.
-- Então é o que eu digo: Nova Iorque é a cidade das empregadinhas domésticas!
-- Hã?
-- Empregadinhas domésticas! As mulheres aqui, entendeu, não tem grana prá se tratar, nem tempo. Porque é a grana [dó-ré-dó-lááááááá-dó] que faz a mulher ficar bonita: comprar um vestidinho legal, fazer cabelo e unha, dar uma malhada... Aqui as mulheres não tem grana prá se produzir!
Nesta hora tive que responder. Argumentei que as mulheres que se produziam freqüentavam lugares diferentes daqueles a que íamos (ele concordou) e até teria continuado, não fosse o táxi ter chegado ao destino.
-- Valeu, irmão! Um abração!
Foi só ele dizer isso que eu senti uma súbita vontade de transcrever o papo na Internet. O lado benévolo deste blog começava a germinar...
25 de ago. de 2005
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