19 de nov. de 2006
14 de nov. de 2006
U-hu!
Acabei de fazer um teste de reconhecimento de frases musicais. Seu objetivo original era o de estudar o cérebro de pessoas com extrema dificuldade de reconhecer notas musicais, mas o autor do teste descobriu que é um bom teste de musicalidade em geral.
Diz o site que mesmo músicos muito bons tiram por volta de 80% no treco. Eu fiquei com 94,4%! U-hu!
Lembro de quando visitei a Áustria e, por não saber alemão, todos os nomes de rua e lugar me pareciam impossíveis de decorar. Acho que o teste deve criar uma situação parecida para quem nunca estudou música.
Ah, o teste veio do blog da Cora Rónai.
Diz o site que mesmo músicos muito bons tiram por volta de 80% no treco. Eu fiquei com 94,4%! U-hu!
Lembro de quando visitei a Áustria e, por não saber alemão, todos os nomes de rua e lugar me pareciam impossíveis de decorar. Acho que o teste deve criar uma situação parecida para quem nunca estudou música.
Ah, o teste veio do blog da Cora Rónai.
Filosofia da arte
Tive a sorte de presenciar o guru Gopanda Arumpananda no dia em que, depois de 20 anos calado, ele voltou a falar.
Era uma bela manhã de outono e eu caminhava pelos jardins da sua comunidade, a Om Valley, nalgum rincão perdido do norte da California. Não era a primeira vez que visitava aquele sítio; por isso, não me espantei quando vi aquele senhor sentado na grama com as pernas cruzadas, a mão no queixo e o rosto voltado para o alto. Como em outras ocasiões, havia várias pessoas sentadas em volta dele, salpicadas pelos reflexos de sua roupa brilhante. No entanto, tinha a nítida impressão de que algo estava diferente e que cada um ali tinha uma expectativa melhor para esse dia.
Senti um cheiro estranho e voltei meu rosto para a estrada. Uma caminhonete havia parado ali e dela saiu um artista que, com sua lógica inescrutável, havia ficado 10 dias sem tomar banho para se purificar. Ele e uma moça também bastante jovem pegaram uma escultura na parte de trás do veículo e começaram a caminhar na nossa direção. A cena não era de todo inusitada, já que muitos outros artistas tinham oferecido obras suas para o guru, mas seus seguidores ali presentes parecem ter se espantado com o fato que ele olhou para a obra diretamente, virando o rosto para ela, ao invés do olhar de soslaio como sempre fazia.
O artista e a moça puseram sua obra no chão ao lado do velho guru. Fizeram esforço para cumprimentá-lo da maneira vedanticamente correta, mas foi inevitável que, ocidentais que eram, sua saudação tivesse um quê de Versalhes. Terminado o salamaleque, o rapaz começou a discursar sobre o trabalho, que para olhos leigos parecia uma velha rocha erodida coberta por tinta vermelha. O jovem discursou sobre a problemática do homem moderno e seu isolamento no mundo ciber-relacional, que inevitavelmente condenava todos nós a uma reconcepção do fundamental e a uma busca incessante do nosso lugar no universo, ainda que não percebêssemos a necessidade de uma racionalidade não-instrumental...
E aí o próprio artista calou-se. Era normal que o guru esboçasse alguma mínima reação ao ouvir o que alguém falava, mas desta vez ele falou "Oh, yes...", quebrando assim seus vinte anos de silêncio. Mais do que isso: as reticências do "Oh, yes..." eram audíveis, sua inspiração denunciava que mais palavras estavam por vir.
Com todos quietos, foram dez segundos de longa espera. O guru respirava e ao longe alguns pássaros cantavam alheios à expectativa.
- Toda a arte moderna é uma grande merda! [ All modern art is one big piece of shit! ]
Não posso dizer que a mensagem tenha sido imediatamente absorvida pelos seguidores do guru. De fato, o que se viu foram alguns minutos de quase consternação no jardim. Enquanto Gopanda olhava a escultura e ria, as outras pessoas discutiam, inquietavam-se, pensavam se deviam anotar aquilo para refletir depois. O artista e a sua namorada se abraçaram por dois ou três segundos e logo ela o empurrou, abanando a mão e tossindo.
Passado algum tempo, os presentes começam a falar com o guru e pedir maiores esclarecimentos. Ele parecia disposto a responder, mas uma criança se aproximou dele com uma flor e tomou sua atenção.
-- Como é que a arte é uma merda só? [ one piece of shit ]
-- O quê?
-- Não são várias obras de arte? Então não seriam várias merdas?
-- Mas todas as merdas são uma, não é? [ All pieces of shit are one. ]
-- Por quê?
E foi aí que, ele próprio estando confuso, o guru pôs a mão no queixo, olhou para o alto e ... calou-se. O público reagiu com surpresa, mas depois com alívio. O artista e sua namorada foram embora. Devagar a vida da comunidade foi voltando ao normal, primeiro com apreensão, depois com sinceros sorrisos no rosto. O silêncio de Gopanda voltara a pairar magnânimo sobre o Om Valley. Ao que me consta, o guru não abriu a boca de novo até hoje.
Era uma bela manhã de outono e eu caminhava pelos jardins da sua comunidade, a Om Valley, nalgum rincão perdido do norte da California. Não era a primeira vez que visitava aquele sítio; por isso, não me espantei quando vi aquele senhor sentado na grama com as pernas cruzadas, a mão no queixo e o rosto voltado para o alto. Como em outras ocasiões, havia várias pessoas sentadas em volta dele, salpicadas pelos reflexos de sua roupa brilhante. No entanto, tinha a nítida impressão de que algo estava diferente e que cada um ali tinha uma expectativa melhor para esse dia.
Senti um cheiro estranho e voltei meu rosto para a estrada. Uma caminhonete havia parado ali e dela saiu um artista que, com sua lógica inescrutável, havia ficado 10 dias sem tomar banho para se purificar. Ele e uma moça também bastante jovem pegaram uma escultura na parte de trás do veículo e começaram a caminhar na nossa direção. A cena não era de todo inusitada, já que muitos outros artistas tinham oferecido obras suas para o guru, mas seus seguidores ali presentes parecem ter se espantado com o fato que ele olhou para a obra diretamente, virando o rosto para ela, ao invés do olhar de soslaio como sempre fazia.
O artista e a moça puseram sua obra no chão ao lado do velho guru. Fizeram esforço para cumprimentá-lo da maneira vedanticamente correta, mas foi inevitável que, ocidentais que eram, sua saudação tivesse um quê de Versalhes. Terminado o salamaleque, o rapaz começou a discursar sobre o trabalho, que para olhos leigos parecia uma velha rocha erodida coberta por tinta vermelha. O jovem discursou sobre a problemática do homem moderno e seu isolamento no mundo ciber-relacional, que inevitavelmente condenava todos nós a uma reconcepção do fundamental e a uma busca incessante do nosso lugar no universo, ainda que não percebêssemos a necessidade de uma racionalidade não-instrumental...
E aí o próprio artista calou-se. Era normal que o guru esboçasse alguma mínima reação ao ouvir o que alguém falava, mas desta vez ele falou "Oh, yes...", quebrando assim seus vinte anos de silêncio. Mais do que isso: as reticências do "Oh, yes..." eram audíveis, sua inspiração denunciava que mais palavras estavam por vir.
Com todos quietos, foram dez segundos de longa espera. O guru respirava e ao longe alguns pássaros cantavam alheios à expectativa.
- Toda a arte moderna é uma grande merda! [ All modern art is one big piece of shit! ]
Não posso dizer que a mensagem tenha sido imediatamente absorvida pelos seguidores do guru. De fato, o que se viu foram alguns minutos de quase consternação no jardim. Enquanto Gopanda olhava a escultura e ria, as outras pessoas discutiam, inquietavam-se, pensavam se deviam anotar aquilo para refletir depois. O artista e a sua namorada se abraçaram por dois ou três segundos e logo ela o empurrou, abanando a mão e tossindo.
Passado algum tempo, os presentes começam a falar com o guru e pedir maiores esclarecimentos. Ele parecia disposto a responder, mas uma criança se aproximou dele com uma flor e tomou sua atenção.
-- Como é que a arte é uma merda só? [ one piece of shit ]
-- O quê?
-- Não são várias obras de arte? Então não seriam várias merdas?
-- Mas todas as merdas são uma, não é? [ All pieces of shit are one. ]
-- Por quê?
E foi aí que, ele próprio estando confuso, o guru pôs a mão no queixo, olhou para o alto e ... calou-se. O público reagiu com surpresa, mas depois com alívio. O artista e sua namorada foram embora. Devagar a vida da comunidade foi voltando ao normal, primeiro com apreensão, depois com sinceros sorrisos no rosto. O silêncio de Gopanda voltara a pairar magnânimo sobre o Om Valley. Ao que me consta, o guru não abriu a boca de novo até hoje.
18 de abr. de 2006
Polichinelo estilístico no. I
[Soneto com mui vaga inspiração em Camões]
Que vem a ser o blog: uma tormenta
que varre-me do mar da sanidade
e imprime em meu amor à humanidade
tremores de homem que não se agüenta,
o orgulho que minha pena não sustenta?
Tortura que me gera a ansiedade
de que me leia o mundo de verdade,
mas sabe que o impossível não se tenta?
O blog que me aflige e que me insultua
(pois cobra o que jamais eu cobraria
de um mundo que me dá o que mereço)
é ao mesmo tempo a versão culta
do riso que meu rosto alumia
(surpresa!) sempre que eu esmoreço.
Que vem a ser o blog: uma tormenta
que varre-me do mar da sanidade
e imprime em meu amor à humanidade
tremores de homem que não se agüenta,
o orgulho que minha pena não sustenta?
Tortura que me gera a ansiedade
de que me leia o mundo de verdade,
mas sabe que o impossível não se tenta?
O blog que me aflige e que me insultua
(pois cobra o que jamais eu cobraria
de um mundo que me dá o que mereço)
é ao mesmo tempo a versão culta
do riso que meu rosto alumia
(surpresa!) sempre que eu esmoreço.
20 de mar. de 2006
Um sonho
(Só para tirar o mofo do blog.)
Foram no máximo uns dois minutos entre cochilar e acordar de novo. No meio disto, percebi que a minha alma estava solta dentro da minha cabeça. Podia me virar para um lado e para o outro dentro do meu crânio, oco e escuro, optando por olhar ou não através dos buracos dos olhos, iluminados desde fora por um sol que não se via. Do outro lado destas janelas, uma grama que se estendia ao longe e se encontrava com o céu; tudo em cores tão fortes que chegava a parecer um gráfico de computador.
O meu corpo voava e a grama passava rápida e sem atrito sob meus pés. O vôo parou e dois anjos de asas longas e pontudas desceram do céu e pousaram na minha frente. Os dois tinham cor de barro e tipo esguio. Eram praticamente imagens espelhadas um do outro e sua expressão facial era serena mas firme, como a de pinturas góticas. Cada um segurava uma espécie de alaúde ou violão, um de tamanho diferente do outro, e os cabos dos instrumentos quase se encontravam no espaço entre os anjos. Os anjos não se mexeram -- aliás, nem bateram as asas para descer do céu -- mas começaram a tocar uma música lenta que primeiro me soou melancólica e depois me deu a sensação de um cobertor numa noite fria. Percebi pelo som que um dos instrumentos era um violão, acompanhando; e o outro, era o quê?
-- Guitarra portuguesa! O anjo tá tocando guitarra portuguesa!
Foi o que falei para a minha mulher, não totalmente desperto mas subitamente me lembrando da presença dela. Ela disse "Tá" mas nem ligou, habituada a me ouvir falando em sonhos. Já eu não me esqueci mais das cenas: um par de anjos tocando fado, os olhos como janelas para a alma se debruçar.
Foram no máximo uns dois minutos entre cochilar e acordar de novo. No meio disto, percebi que a minha alma estava solta dentro da minha cabeça. Podia me virar para um lado e para o outro dentro do meu crânio, oco e escuro, optando por olhar ou não através dos buracos dos olhos, iluminados desde fora por um sol que não se via. Do outro lado destas janelas, uma grama que se estendia ao longe e se encontrava com o céu; tudo em cores tão fortes que chegava a parecer um gráfico de computador.
O meu corpo voava e a grama passava rápida e sem atrito sob meus pés. O vôo parou e dois anjos de asas longas e pontudas desceram do céu e pousaram na minha frente. Os dois tinham cor de barro e tipo esguio. Eram praticamente imagens espelhadas um do outro e sua expressão facial era serena mas firme, como a de pinturas góticas. Cada um segurava uma espécie de alaúde ou violão, um de tamanho diferente do outro, e os cabos dos instrumentos quase se encontravam no espaço entre os anjos. Os anjos não se mexeram -- aliás, nem bateram as asas para descer do céu -- mas começaram a tocar uma música lenta que primeiro me soou melancólica e depois me deu a sensação de um cobertor numa noite fria. Percebi pelo som que um dos instrumentos era um violão, acompanhando; e o outro, era o quê?
-- Guitarra portuguesa! O anjo tá tocando guitarra portuguesa!
Foi o que falei para a minha mulher, não totalmente desperto mas subitamente me lembrando da presença dela. Ela disse "Tá" mas nem ligou, habituada a me ouvir falando em sonhos. Já eu não me esqueci mais das cenas: um par de anjos tocando fado, os olhos como janelas para a alma se debruçar.
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