(Só para tirar o mofo do blog.)
Foram no máximo uns dois minutos entre cochilar e acordar de novo. No meio disto, percebi que a minha alma estava solta dentro da minha cabeça. Podia me virar para um lado e para o outro dentro do meu crânio, oco e escuro, optando por olhar ou não através dos buracos dos olhos, iluminados desde fora por um sol que não se via. Do outro lado destas janelas, uma grama que se estendia ao longe e se encontrava com o céu; tudo em cores tão fortes que chegava a parecer um gráfico de computador.
O meu corpo voava e a grama passava rápida e sem atrito sob meus pés. O vôo parou e dois anjos de asas longas e pontudas desceram do céu e pousaram na minha frente. Os dois tinham cor de barro e tipo esguio. Eram praticamente imagens espelhadas um do outro e sua expressão facial era serena mas firme, como a de pinturas góticas. Cada um segurava uma espécie de alaúde ou violão, um de tamanho diferente do outro, e os cabos dos instrumentos quase se encontravam no espaço entre os anjos. Os anjos não se mexeram -- aliás, nem bateram as asas para descer do céu -- mas começaram a tocar uma música lenta que primeiro me soou melancólica e depois me deu a sensação de um cobertor numa noite fria. Percebi pelo som que um dos instrumentos era um violão, acompanhando; e o outro, era o quê?
-- Guitarra portuguesa! O anjo tá tocando guitarra portuguesa!
Foi o que falei para a minha mulher, não totalmente desperto mas subitamente me lembrando da presença dela. Ela disse "Tá" mas nem ligou, habituada a me ouvir falando em sonhos. Já eu não me esqueci mais das cenas: um par de anjos tocando fado, os olhos como janelas para a alma se debruçar.
20 de mar. de 2006
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