22 de set. de 2005

Para que serve um blog que ninguém lê?

Para que o autor/dono se descubra um inconsciente semi-discípulo de Nietzsche ao ler seus próprios posts. Puta que pariu, esta história de confrontamento na religião é quase a vontade de poder.

Escrever faz a gente mudar de idéia. Neste caso, não totalmente.

16 de set. de 2005

Ah, sim

Foi por causa da seriedade da constatação do post anterior que deixei de me considerar católico por muito tempo. Agora tenho feito um pouquinho mais de força, com a ajuda de não ter mais de me preocupar com sexo antes do casamento.

Escolha e método

Há muito e muito tempo, quando eu ainda fazia cursinho de inglês, nosso professor propôs uma série de temas para debate. Um deles foi a necessidade de obediência na prática da religião. Parecia-me então uma verdade óbvia e evidente que cada um deveria ser livre para escolher e adaptar os ensinamentos das várias tradições religiosas, e que a obediência, sendo sinônimo de aceitação incondicional ou medo de errar, era uma bobagem fácil (ou no mínimo desnecessária).

Chocou-me, portanto, que uma moça (que na minha memória era uma morena bonita e bem arrumada com aquele cabelo escorrido de índia) defendesse a idéia de que era preciso obedecer a algo diferente da vontade individual. Seria justamente daí que viria a disciplina na prática da espiritualidade e na busca da verdade que deveria ser o objetivo desta prática, para a qual não haveria necessidade de Grandes Guias se não fosse difícil atingir o objetivo desejado. Sem a tal disciplina, trocar-se-ia este processo difícil pela simples satisfação pessoal e e auto-centrada de se fazer algo segundo os próprios desejos, algo que, na opinião dela, não merecia o nome de religião.

O que me deixou estarrecido nesta declaração foi que ela inverteu quase que instantaneamente o que eu pensava até então. De repente, a tradição já não era aquilo que se faz com o desleixo de quem só aceita. Muito pelo contrário: sendo a prática religiosa um condicionamento interno, o duelo da vontade com o objetivo "impessoal" era parte fundamental do jogo. E não demorou para eu descobrir que qualquer jugador deste peculiar esporte precisa antes de tudo de insistência, porque a luta é difícil; e honestidade consigo mesmo, porque sem ela o discípulo superestima seu sucesso, achando-se uma pessoa boa só porque um dia "decidiu" ser assim. A obediência total pode ser muito difícil ou talvez até não desejável, mas o fato é que religião sem confrontamento com a tradição é mais ou menos o mesmo que auto-ajuda.

O difícil explicar isto para os outros. Lembro-me bem de uma discussão numa aula de "O Homem e o Fenômeno Religioso" na PUC. Uma colega descreveu sua religiosidade como algo bem parecido com a maçaroca que a minha era até o tal debate na aula de inglês, e não resisti a perguntar:

-- Mas vem cá: você não acha que só escolhendo o que te agrada do Budismo, do Cristianismo, do New Age e de tudo o mais você só está fazendo uma coisa meio que para se agradar, e que é muito fácil viver assim?

Ou talvez não tenha dito isto desta maneira: lá na hora devo ter tido mais tato. Mas lembro-me bem da resposta dela:

-- Não [soando como "ué"]! Eu acho que eu sei escolher o que é melhor para mim!

E o olhar dela continuou bem firme no meu, a ponto de eu quase ouvir a continuação daquela resposta: "Você tá louco? Quer que eu seja um zumbi que sai por aí fazendo o que os outros dizem? Me deixa em paz!"

Talvez ela até fosse mesmo dotada da disciplina de que falei acima, mas enfim. O que sei é que não só esta idéia de que é preciso encarar a tradição com insistência e honestidade me parece cada vez mais fundamental para qualquer forma de aprendizado e de método. Não se aprende o mais importante a partir do auto-centrado desejo de conformar as coisas à visão pessoal, mas sim deixando e até torcendo para que as coisas imprimam sua marca no aprendiz. Ou melhor: toda a forma de conhecimento é antes de tudo um dar a cara a tapa, e as únicas mãos sempre por perto são as do próprio estudante.

7 de set. de 2005

Papos estranhos sempre vêm em três

Minha amiguinha C. me contou duas histórias que aconteceram com ela logo antes de ler o post anterior.

A primeira é a do motorista de táxi (sempre eles) que a levou da Gávea à Lapa e tentou convencê-la durante toda a viagem que toda a mulher carioca deveria tomar anti-depressivos na época da menstruação. Pois -- diria ele -- vai que uma mulher é assaltada justo quando está de TPM? Aí, ao invés de reagir como deve (isto é, dar o dinheiro ou bem ao bandido), ela pode se comportar de maneira imprevisível e botar em risco a própria vida! Não consigo imaginar história que demonstre melhor o problema da auto-medicação.

A outra história é a de um trocador de ônibus que resolveu falar com ela sobre religião. Imagino o papo mais ou menos assim.

-- Mas você tem Bíblia em casa?
-- Tenho.
-- Ah, mas deve ser católica, né?
-- Olha, eu acho que sim...
-- Ah, então você tem de ler a Bíblia pro-tes-taaaaan-te!
-- Ah é, é?
-- Éééééééé...Porque assim: a Bíblia católica puxa muito pro lado dos santos [!!!], dessas coisas da Igreja católica... A protestante, não: ela só mostra a verdade!

A verdade, é claro, veio acompanhada por um gesto da mão direita com a palma voltada para baixo, cortando o ar da esquerda para a direita.

-- Ah, tá...
-- Então, a Bíblia que eu tenho é essa, ó: Bíblia Tatatá-tatatá [insira seu nome predileto aqui]...
-- Tá bom...
-- Não, anota aí porque se não você vai esquecer.
-- [C. tira o papel da bolsa cheia] Tá, pode falar.
-- Bíblia Tatatá-tatatá... Anotou?